04/08/2007

1955 a 1958

Sou o Henrique, filho mais velho do casal Abílio e Cândida, frequentei a escola primária – como então se chamava – de Entrequintas, na rua com o mesmo nome, onde entrei em Outubro de 1955, para a primeira classe.


Por razões que a memória esqueceu, mudei no ano seguinte para a escola da Bandeirinha, também na Rua com o mesmo nome, onde fiz a segunda classe e os meses de Outubro e Novembro da terceira classe.
Mais ou menos por esta altura, tive o meu primeiro grande desgosto com o meu pai, um mulherengo incorrigível. Era muito trabalhador, o escritório de advogados na Rua das Flores tinha imenso trabalho e eram vários os advogados. Henrique Souto, Tavares da Conceição, Sérgio de Pinho e o solicitador Cesário Bonito, tinham imenso trabalho para meu pai executar.
Henrique Souto era de Estarreja, Tavares da Conceição da Murtosa, Sérgio de Pinho e Cesário Bonito, do Porto. Normalmente vinham a partir do meio da tarde para atender os clientes e as consultas estendiam-se pela noite dentro.
Henrique Souto, para além de ser casado, tinha uma enorme e íntima amizade com uma senhora da Rua Silva Porto, que vinha visitar o amigo ao consultório.
Meu pai aprendeu com o patrão e, também ele, tinha "amigas" que o iam visitar ao escritório, como eu, anos mais tarde, viria a comprovar com os meus próprios olhos.
Meu pai foi um grande impulsionador do associativismo, tendo ajudado a fundar associações como a Associação Dramática e Musical de Massarelos e a União Desportiva de Massarelos. A primeira dedicava-se ao teatro e bailaricos, a segunda ao desporto e ambas ao convívio entre associados. Aos bailaricos o meu pai nunca faltava e levava-me consigo o que me provocava imensos ciúmes, quando o via dançar com todas aquelas mulheres que o assediavam por ele ser louro e de olhos azuis esverdeados. Mas também era casado e com um filho.

Em 1957, meu pai foi convidado pelo seu patrão de então, Dr. Henrique Souto, para ir chefiar a Fábrica Cerâmica de Vagos, em Aveiro, onde exerceria as funções de encarregado e administrativas, pelo que em Dezembro desse mesmo ano, rumei com minha mãe e mobílias, para a casa que a Cerâmica possuía (ainda está de pé) na Rua Cândido dos Reis, em Vagos. Por isso, parte da terceira classe e dois meses da quarta classe foram passadas na Escola Primária de Vagos, na altura instalada no actual Edifício João Grave.


O primeiro grande desgosto que meu pai me proporcionou, muito mais grave que aqueles bailaricos em que ele esmifrava e muito as garotas que com ele dançava, foi exactamente nos escritórios da Cerâmica. Minha mãe já sabia que as mulheres que ali trabalhavam, assediavam meu pai e não tinham vergonha de enviar bilhetinhos que iam na roupa da casa de banho que minha mãe lavava em casa. A minha mãe via os bilhetes, mas já estava habituada a ver meu pai ser assediado pelas mulheres.
Mas um dia eu entrei no escritório e vi meu pai abraçado a uma das raparigas que trabalhavam na fábrica. Abraçava, beijava, apalpava e tão entusiasmado estava com a rapariga contra a parede que nem deu pela minha presença. Mas a rapariga viu-me e ficou aterrorizada e sem reacção. Ela tinha 18 anos e ele 30. Hoje ela tem 68 e ele 80. Foram várias as raparigas que se "atiraram" ao meu pai na Cerâmica, para não dizer todas as que lá trabalhavam.
Isto passou-se em 1958 e hoje estamos em 2009. Passaram 51 anos, as raparigas hoje sexagenárias estão todas vivas. Todas casaram e algumas tiveram filhos. Uma delas é amiga da família e eu perdoei-lhe ter assediado meu pai porque era muito nova e meu pai é que devia ter tido juízo, que não teve e continua a não ter, infelizmente.
Deu muitas facadas no matrimónio, até arranjar filhos extra matrimónio.
Em Abril de 1958 dá-se o nascimento de minha irmã Ana, que veio nascer a casa de meus avós Arnaldo e Alina, na Rua de Cristelo, no Porto. Após o parto, minha mãe regressou a Vagos e por lá estivemos até ao mês de Dezembro desse ano, tendo meu pai abandonado a Cerâmica por divergências com o Dr. Souto. Meu pai não permitiu que este senhor “passasse a perna” aos outros dois sócios Dr. Tavares da Conceição, advogado e Dr. Madureira, veterinário.


Portanto, em Dezembro de 1958, venho a conhecer a minha quarta escola primária, a do Bonfim, sita no Largo do Bonfim, para acabar a quarta classe e fazer o exame de admissão que existia na altura.


Fui parar ao Bonfim porque a nossa nova casa ficava na Rua Anselmo Braancamp, paralela às Ruas D. João IV e Santos Pousada.

Penso que por razões que se prendem com uma ou duas anestesias gerais a que fui submetido e, porque andei a saltar de um lado para o outro, tendo conhecido muitos colegas e professores, tenho muito poucas recordações do ensino primário.


Há dias fui ao Hospital de Santo António no Porto fazer uns exames. A enfermeira que fez a colheita do sangue, questionou o meu apelido Samagaio e perguntou de onde era. Respondi que vivia em Vagos mas que era natural de Massarelos, ali bem perto do Hospital.


Ela disse que conhecia “muito bem” o meu pai e olhando para a ficha constatou que tínhamos exactamente a mesma idade. Como nascemos na mesma freguesia, e em ruas contíguas pelo menos a primeira classe partilhamos juntos, mas eu não tenho nenhuma recordação dela.


As melhores recordações que guardo daquele período da minha infância, lembram mais as raparigas que os rapazes. Claro que me lembro muito bem dos meus primos Mário Samagaio e Fernando Mota, dos filhos da minha “prima” Angelina, especialmente do Augusto, do Zé, do Abílio, lembro-me do Zé, filho do Fernando sapateiro e da Rosa, do filho da Gavina, dos filhos da Alice, especialmente da lindíssima Cândida afilhada de minha mãe, dos filhos da Maria Augusta e do Isolino, da família Castanhas, etc.


Mas, na verdade, ainda hoje lembro as brincadeiras com a Cândida filha da Alice, com a Mena filha da Maria Augusta ou a Zeza da família Lobão, que residia no prédio da mercearia e onde vivia uma pândega deficiente. Era adorável aquela menina portadora de deficiência motora e mental. Apesar de andar em cadeira de rodas e se expressar mal, adorava cantar e dançar em cima da cadeira. Tinha uma alegria enorme. Não me recordo do seu nome, infelizmente.


A mercearia era do Sr. José Peres, que mais tarde veio a tomar de trespasse um dos famosos cafés frente à Universidade do Porto. Depois de José Peres, tomou conta da mercearia a Dadinha – não recordo o seu verdadeiro nome.