15/11/2009

1964

Já vivia na Rua das Flôres, no edifício da Sociedade Comercial de Malhas e Miudezas, grande armazém de malhas e miudezas muito conhecido em todo o continente e ilhas simplesmente pelo nome "Sociedade". Vivia no segundo andar e trabalhava no rés-do-chão, depois de ter trabalhado no escritório de advogados que mais tarde passou a ser a nossa casa. Ainda hoje vive lá meu pai com a sua nova mulher, uma vez que voltou a casar após a morte de minha mãe em 13 de Julho de 1986.
Os patrões da Sociedade eram o Henrique e o João Barbosa. O Henrique gostava muito de mim e era muito exigente. Por isso é que aprendi muito com ele e com colegas muito mais velhos como os senhores João, Ferreira (beganini, porque andava sempre a mascar pastilhas daquela marca), Paiva, Valério, Pena, Rosas, Zé Maria, José Leão e muitos outros, uma vez que o estabelecimento tinhas dezenas de empregados e meia-dúzia de viajantes.
Estive apenas dois anos ao serviço da Sociedade mas foram dois anos de grande escola. Trabalhava das 9 às 19 horas e, às 19 e 5 minutos, entrava na Escola Comercial Oliveira Martins na sua secção da Rua das Taipas, onde frequentei o curso geral do comércio. Tinha aulas até às 23 horas e imensas disciplinas.
Em 1966 saí da Sociedade e fui trabalhar, mais ou menos meio ano, para a Higifarma na Rua de Santa Catarina. Era uma empresa de produtos de higiene e farmácia e aí, tive o melhor patrão de toda a minha vida de empregado - Carlos Alberto Raposo de Melo. Era tão bom este senhor, que pagava bem e a horas, era educadíssimo, muito culto, elegantíssimo, bondoso e passava a vida a dar produtos aos empregados e amigos.
Ainda em 1966 arranjei novo emprego, sempre a melhorar o vencimento e o lugar e, passei a trabalhar na MICO-Manufactura Industrial de Confecções Mico, SARL, como se designavam na altura as sociedades anónimas. SARL queria dizer sociedade anónima de responsabilidade limitada.
A Mico empregava mais de 100 trabalhadores, na sua maioria mulheres e dedicava-se à confecção de fatos de trabalho, gabardinas, impermeáveis para a chuva (vulgo tapa-chuvas)etc. Foi na Mico que conheci Belmiro de Azevedo, na altura um normal engenheiro da SONAE para onde fornecíamos os fatos de trabalho. Também nesta fábrica se confeccionavam fardas para o exército, trabalho que fazíamos em sub-contratação da firma Rodrigues & Rodrigues de Lisboa.
Foi a MICO que me proporcionou o conhecimento com um dos meus grandes amigos de sempre o Pedro Almeida, que ali exercia as funções de afinador de máquinas. Continuamos grandes amigos até hoje e continuaremos até sempre.
Se nos advogados atendia as pessoas, digitava requerimentos à máquina (Underwod ou Remington), na Sociedade atendia ao balcão e estava na caixa, na Higifarma estava no armazém e abastecia as farmácias e perfumarias, na Mico fui para o escritório para a área de processamento de salários, gestão de stocks e mais tarde, gestão e controle de produção e do pessoal. O curso comercial e a prática anterior deram-me bagagem suficiente para bem novo, 16, 17 anos, estar com tão grande responsabilidade na empresa. E ganhava bem na altura, 2 mil escudos por mês e já 14 meses de ordenado, embora não fosse obrigatório.
Só para termo de comparação, nessa época, uma viagem de eléctrico no Porto, 1 zona custava 8 tostões ou 80 centavos e a gasolina custava 5 escudos e oitenta o litro. A super (hoje 98) custava 6 escudos e trinta centavos (hoje 3 cêntimos e 15)
Ainda em 1966, por influência de meu amigo Delfim, que morava na Rua da Vitória e tinha uma viola acústica, electrificada e com amplificador, resolvi influenciar outro amigo que trabalhava nos armazéns da Mico, Henrique Magalhães e juntando o Delfim, ao meu primo Mário que andava a aprender a tocar guitarra, com o Jervel que tinha a mania (como eu) que sabia tocar bateria e cantar, lá formei o meu primeiro conjunto musical.
Eu e o Henrique Magalhães fomos à casa Ritmo, na Rua 31 de Janeiro no Porto, onde trabalhava o meu amigo Miranda (que viveu na pensão de minha madrinha na Rua das Flôres, mais de 40 anos e lá morreu) e, falando com o dono da loja, Henrique Pinto Leite, comprei duas guitarras eléctricas, bateria completa, amplificadores de instrumentos e de vozes, colunas e microfones. Assim nasceram os TOMAOKS. O que queria dizer? Não sei, mas era coisa de índios.

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